Cotação : 5 estrelas
Pode ser que eu esteja equivocado, mas a
grande maioria dos ensaios acadêmicos fica restrita aos muros das universidades
e, salvo nos casos em que adotados como bibliografia de disciplinas
importantes, não passam da primeira edição. Nesse sentido, o fato de “A Segunda
Cinelândia Carioca”, da pesquisadora Talitha Ferraz, lançado originalmente em
2010, já estar em sua segunda edição, pela editora Mórula, dá um destaque
incomum a uma obra desse gênero.
Fruto de uma tese de pós graduação defendida
na ECO da UFRJ, o livro aborda o período áureo do século passado (notadamente
entre as décadas de 40 a início dos 70) em que a praça Seans Peña, logradouro
símbolo da Tijuca, era a meca cinematográfica da zona norte carioca.
A autora, também moradora do bairro e
testemunha dos últimos momentos da Praça como uma “Cinelândia alternativa”,
conjuga com maestria as observações e citações teóricas que estruturam a
pesquisa, com depoimentos, memórias e reminiscências de antigos moradores e
frequentadores do local, o que dá um colorido único ao trabalho, proporcionando
um alcance bem mais amplo do que o que normalmente aconteceria.
Para os tijucanos e moradores das
redondezas que eram adolescentes no final dos anos 80, início dos 90, como foi
o meu caso, “ A Segunda Cinelândia Carioca” representava o papel que hoje
cabem aos shoppings : um local
permanente de compras e lazer, rota obrigatória dos finais de semana ou das
tardes livres. Ainda nessa época, dominavam a cena o velho América (hoje uma
drogaria), o imponente Carioca (igreja), o simpático Bruni Tijuca (nos fundos
de uma galeria, onde hoje funciona um laboratório de análises clínicas) os Arts
Tijuca (1 e 2) , o Tijuca (1 e 2, onde hoje é a Casa e Vídeo) e Tijuca Palace 1
e 2. Felizmente tive a oportunidade de conhecê-los.
Além desses, Thalita nos dá notícia da
formação, auge e decadência de outras salas que fizeram a glória da Praça :
Metro Tijuca, que ilustra a capa e que nos anos 70 deu lugar à C&A (irônico
que nos meus tempos de colégio era comum marcar encontro em frente à loja,
justamente para irmos ao cinema...), Studio Tijuca (na Desembargador Isidro),
Cine Rio, Excelsior, e vários outros espaços de maior ou menor repercussão. No
entanto, o grande cinema da localidade enfocado pela obra, talvez seja o
Olinda, que de sua inauguração, em 1940, até encerrar as atividades, 32 anos
depois, reinou soberano com seus 3500 lugares tomando toda a lateral da Praça
onde hoje está o shopping 45. Era um dos maiores da América Latina.
A obra também avança ao fazer inventário
dos “poeiras” e outras salas que ficavam nas vizinhanças, incluindo aí a área
que vai do Rio Comprido até a Rua Uruguai.
É interessante ressaltar que o volume
levanta diversas teses para investigar as causas da decadência que assolou a
região, principalmente a partir dos anos 70. A especulação imobiliária, a
própria mudança da dinâmica de exibição cinematográfica ( que inclusive
chacinou a Cinelândia original, hoje restrita ao Odeon e ao Rex, já há alguns
anos um cinema pornô) e um componente curioso apontado em muitos depoimentos
como a sentença de morte da Praça e seus cinemas, segundo a configuração
clássica dos anos “dourados” : a chegada do metrô, com as obras que tornaram
caótica a circulação na área e, após a inauguração, a transformação da Seans
Peña em local de passagem, abrindo caminho ao abandono e à violência, que ainda
hoje, embora de forma não tão acentuada quanto no começo do século XXI,
ainda é uma das mazelas do lugar.
Em resumo pode-se afirmar que em suas
breves 240 páginas, Thalita Ferraz utiliza o cinema como mote para nos legar
uma contribuição notável ao entendimento da construção de um espaço público
ímpar na geografia urbana carioca. Afinal, a velha Praça ainda ocupa imenso
espaço no coração dos tijucanos de todas as gerações.
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