quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A Tijuca em cartaz


Cotação : 5 estrelas

Pode ser que eu esteja equivocado, mas a grande maioria dos ensaios acadêmicos fica restrita aos muros das universidades e, salvo nos casos em que adotados como bibliografia de disciplinas importantes, não passam da primeira edição. Nesse sentido, o fato de “A Segunda Cinelândia Carioca”, da pesquisadora Talitha Ferraz, lançado originalmente em 2010, já estar em sua segunda edição, pela editora Mórula, dá um destaque incomum a uma obra desse gênero.
Fruto de uma tese de pós graduação defendida na ECO da UFRJ, o livro aborda o período áureo do século passado (notadamente entre as décadas de 40 a início dos 70) em que a praça Seans Peña, logradouro símbolo da Tijuca, era a meca cinematográfica da zona norte carioca.
A autora, também moradora do bairro e testemunha dos últimos momentos da Praça como uma “Cinelândia alternativa”, conjuga com maestria as observações e citações teóricas que estruturam a pesquisa, com depoimentos, memórias e reminiscências de antigos moradores e frequentadores do local, o que dá um colorido único ao trabalho, proporcionando um alcance bem mais amplo do que o que normalmente aconteceria.
Para os tijucanos e moradores das redondezas que eram adolescentes no final dos anos 80, início dos 90, como foi o meu caso, “ A Segunda Cinelândia Carioca” representava o papel que hoje cabem  aos shoppings : um local permanente de compras e lazer, rota obrigatória dos finais de semana ou das tardes livres. Ainda nessa época, dominavam a cena o velho América (hoje uma drogaria), o imponente Carioca (igreja), o simpático Bruni Tijuca (nos fundos de uma galeria, onde hoje funciona um laboratório de análises clínicas) os Arts Tijuca (1 e 2) , o Tijuca (1 e 2, onde hoje é a Casa e Vídeo) e Tijuca Palace 1 e 2. Felizmente tive a oportunidade de conhecê-los.
Além desses, Thalita nos dá notícia da formação, auge e decadência de outras salas que fizeram a glória da Praça : Metro Tijuca, que ilustra a capa e que nos anos 70 deu lugar à C&A (irônico que nos meus tempos de colégio era comum marcar encontro em frente à loja, justamente para irmos ao cinema...), Studio Tijuca (na Desembargador Isidro), Cine Rio, Excelsior, e vários outros espaços de maior ou menor repercussão. No entanto, o grande cinema da localidade enfocado pela obra, talvez seja o Olinda, que de sua inauguração, em 1940, até encerrar as atividades, 32 anos depois, reinou soberano com seus 3500 lugares tomando toda a lateral da Praça onde hoje está o shopping 45. Era um dos maiores da América Latina.
A obra também avança ao fazer inventário dos “poeiras” e outras salas que ficavam nas vizinhanças, incluindo aí a área que vai do Rio Comprido até a Rua Uruguai.
É interessante ressaltar que o volume levanta diversas teses para investigar as causas da decadência que assolou a região, principalmente a partir dos anos 70. A especulação imobiliária, a própria mudança da dinâmica de exibição cinematográfica ( que inclusive chacinou a Cinelândia original, hoje restrita ao Odeon e ao Rex, já há alguns anos um cinema pornô) e um componente curioso apontado em muitos depoimentos como a sentença de morte da Praça e seus cinemas, segundo a configuração clássica dos anos “dourados” : a chegada do metrô, com as obras que tornaram caótica a circulação na área e, após a inauguração, a transformação da Seans Peña em local de passagem, abrindo caminho ao abandono e à violência, que ainda hoje, embora de forma não tão acentuada quanto no começo do século XXI, ainda  é uma das mazelas do lugar.
 Em resumo pode-se afirmar que em suas breves 240 páginas, Thalita Ferraz utiliza o cinema como mote para nos legar uma contribuição notável ao entendimento da construção de um espaço público ímpar na geografia urbana carioca. Afinal, a velha Praça ainda ocupa imenso espaço no coração dos tijucanos de todas as gerações.

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